Não é desonroso fazer uma indicação de um livro, antes mesmo de terminar a sua leitura? Tendo motivos claros e emocionais, acho que não tem nada de mau. É isto que vou fazer sem nenhum pudor com o livro “Fernando Pessoa uma quase autobiografia”, escrito por José Paulo Cavalcanti Filho, que entre tantas coisas valiosas que fez na vida, é advogado e consultor da Unesco e do Banco Mundial.
O livro, com mais de setecentas páginas, delicadamente descreve a vida do poeta Fernando Pessoa em muitas vidas. Ler esta obra é gostoso demais e a vontade é que nunca termine a leitura das histórias, que ficam registradas na alma de quem lê. E, ao avançar pelos emaranhados de palavras, fica uma vontade de voltar e de ler de novo cada idéia ali impressa, descobrir novos detalhes que passaram despercebidos aos olhos. Pessoa se revela pessoas extraordinárias.
Na escola e na vida já tinha lido Fernando Pessoa, mas confesso que tinha dificuldade de entender algumas coisas escritas por ele. Agora, conhecendo suas histórias carregadas de conflitos, é que consigo entender o sentido de cada palavra escrita pelo grande poeta.
Selecionei alguns escritos da obra e da vida de Pessoa para convidar todos vocês a conhecê-lo na sua quase intimidade, sua vida, os motivos dos seus heterônimos. Vale a pena ler.
Professor Marcos Roberto Bueno Martinez
NASCIMENTO:
“Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.”
“Poema Inconjuntos”, Alberto Caiero.
O PRIMEIRO VERSO:
“Eis-me aqui em Portugal/ Nas terras onde nasci/ Por muito que goste delas/ Ainda gosto mais de ti.”
Fernando Pessoa (26/7/1895)
A ALDEIA DE PESSOA:
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Sem título (1911), Fernando Pessoa
ADEUS, ÁFRICA:
Ah, a frescura das manhãs em que se chega,
E a palidez das manhãs em que se parte,
Quando as nossas entranhas se arrepanham
E uma vaga sensação parecida com um medo
― O medo ancestral de se afastar e partir,
O mistério receio ancestral à chegada e ao novo –
Encolhe a pele e agonia-nos.
“Ode marítima”, Álvaro de Campos
REGRESSO A LISBOA:
“Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...”
“Lisbon revisited” (1926), Álvaro de Campos
Continuo a leitura, saborosamente...