“A morte é um grande despertar.” (Nelson Rodrigues)
Um mês depois.
O meu pai desencarnou no dia 26 de março, de manhã, três dias antes de completar 78 anos. Acostumado a me solidarizar com a partida de amigos e de pessoas próximas, pela primeira vez senti a dor da morte de alguém com quem que convivi durante cinquenta e um anos. A sensação é que a gente perdeu um pedaço e um grande vazio toma conta de tudo. Na verdade, é uma sensação indescritível e que não podemos desejar a ninguém, mesmo quando estivermos tomados por sentimentos de ódio e vingança.
Quando minha mãe ligou aflita dizendo que o meu pai não estava bem e que precisava de ajuda, senti um frio repentino e fui ao socorro. Chegando lá, meu filho, desesperado, dizia para corrermos até o hospital e posicionou o carro na garagem. O Ícaro, com lágrimas nos olhos e já pressentindo o pior, pegou meu pai no colo e o levou até o carro. Em poucos minutos estávamos na porta do Hospital de Cotia e minutos depois da nossa chegada recebemos a notícia de que ele tinha partido. Na minha cabeça passou como num filme todo o nosso tempo de convivência, os sentimentos que vivemos. De tudo isso ficou o conhecimento de vida que ele me deixou, e isto é muito forte. Ah! Como eu lamento, poderia ter curtido muito mais o meu pai.
Outro sentimento que não imaginava que fosse tão precioso e importante em um momento como este, é o de ouvir a voz de alguém que se solidariza. Dá um alívio para a alma. Mesmo que este calor humano venha através de um abraço, de um olhar ou de um gesto de silêncio.
José Martinez Molero chegou ao Brasil vindo da Espanha, no começo do século XX, na barriga de sua mãe, deixando para trás uma parte da família, em Madri. Segundo Martinez, sua mulher Dolores Molero Sales e os treze filhos se fixaram em Tanabi, depois em Votuporanga, no interior de São Paulo, e ainda depois no resto do Brasil. Neste ano se completa o centenário da chegada da família no Porto de Santos. Gente que trouxe na mala da vida a cultura de mais de mil anos e que foi paulatinamente se misturando com a daqui, também antiga, e construiu esta nossa, tão diferente. Grão de bico (garbanzo e puchero) com mistura de ingredientes daqui e a música caipira do interior com sotaque castelhano, o trato com a terra e a plantação de café, e tantas outras coisas que fazem este país original, mas também acolhedor. Ah! Como eu lamento, deveria ter aprendido muito com ele!
Meu pai foi gente simples: bem cedo mostrou habilidade para o comércio e iniciou negociando cabeças de gado e praticando outros escambos. O que muito marcou minhas lembranças neste tempo de convívio foi no final da década de 60, época em que ele vendia queijos trazidos de Minas Gerais. Quando ele chegava de viagem sempre me trazia um mini queijo e dizia que uma menina apaixonada tinha mandado. Durante muito tempo alimentei a idéia de que tinha uma namorada distante, que nunca conheci. Foi meu primeiro amor platônico. Uma outra profissão: meu pai também foi marceneiro, artista e criativo, e muitos modelos de sofá em que a gente se senta hoje foi criação dele. Na sua profissão criou miniaturas de móveis de casa. Era um profissional extraordinário, mas não gostava da profissão. Vendeu alumínio e foi galinheiro. É... galinheiro! Ele tinha um caminhão Ford e saía pela região de Votuporanga, indo até os sitiantes para comprar frangos e galinhas, e uma vez por semana trazia pra São Paulo. Foi assim que conheceu a grande metrópole, em 1968. Cozinheiro de mão cheia, sua última profissão foi a de pasteleiro.
Agora posso revelar um segredo sobre uma parte da sua vida. Quando foi convocado pelo exército se apaixonou pela minha mãe, não aguentou a distância e desertou. Durante vinte anos ficou sem tirar documentos, mas casou-se com ela e viveram 55 anos juntos.
Meu pai. Um homem simples, com boas qualidades e defeitos como todo mundo, mas desde o dia da sua partida ficaram só as coisas boas na minha memória. Pessoa alegre e sempre disposta a um bom sorriso. Esta é só uma pequena parte da sua história e sei que onde ele estiver, deve estar avaliando e reavaliando sua passagem por aqui. Muita saudade.
Professor Marcos Roberto Bueno Martinez.
ivone:
ResponderExcluirlindo o depoimento sobre a passagem do seu pai aqui na terra , os pais são tudo nessa vida e com eles que nós aprendemos muitas coisas e valorizamos também , nada maisIvone
MUITO BONITO SEU TESTEMUNHO..VC É MAIS QUE UM VENCEDOR..!!!
ResponderExcluirSei bem o que vc sente,que DEUS o conforte Saudades
ResponderExcluirDepois de um testemunho deste, com certeza vc aproveitou a convivência com ele aqui na terra.
ResponderExcluirMas vc sabe que a vida continua, a morte não existe, a vida dele só foi transformada.
E com certeza ele esta muito feliz por ter um filho amável como você. Beijos.
Que lindo seu depoimento.Recordei-me também de meu pai, Domingos Sochiarelli, pessoa maravilhosa que viveu fazendo o bem. Era conhecido em Cotia como Domingos rezador, pois em quase todos os velórios lá estava ele e minha mãe rezando o terço. Abraços e obrigada por dividir conosco momentos tão pessoais e fraternos.
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