"Ela queria o prazer do extraordinário que era
tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era necessário que a coisa
fosse extraordinária para que nela se sentisse o extraordinário” (CLARICE
LISPECTOR).
Poderia enumerar centenas de coisas negativas que há na
cidade onde moro (Cotia), elas estão em todos os lugares, à vista. Também é
muito cômodo e fácil apontá-las, de tanto anunciá-las e denunciá-las parece que
nos habituamos com as mazelas sociais que cercam o nosso cotidiano (às vezes
lembramos que elas existem, logo depois são esquecidas momentaneamente).Que tal
um olhar diferente para o nosso lugar, além do que enxergamos?
Talvez precisássemos olhar para nosso meio, além do
que enxergamos,além no buraco na rua, do mau atendimento na saúde e a péssima
qualidade de ensino e descobrir que há pessoas fazendo a diferença, e que passam,
muitas vezes, despercebidas. São extraordinárias com gestos simples.
Há quase trinta anos tento olhar para minha cidade
nos seus bastidores e descobri:artistas plásticos, poetas, poetisas, cantores,
escritores,contador de histórias, ambientalistas e muito mais (que não fazem
parte do grande circuito cultural, mas elas existem e são ricas na produção cultural
deste lugar)––fazem acontecer algo que interfere na composição social e
cultural da cidade.
Um desses casos é a do seu João Marcelino da Silva
que, entre o espaço de um pequeno rio e a rua da sua casa, plantou, cultivou e
cuidou de uma minifloresta em um espaço urbano deteriorado.
No
início da década de 1980, no Morro do Macaco (que compreende o Jardim Cotia,
Jardim Coimbra e parte do Parque Turiguara),começou a ocupação de um terreno
público com gente em busca de moradia e que foram, na sua maioria,expulsos pela
especulação imobiliária na cidade de São Paulo O sr João Marcelino, preocupado com
esse pequeno pedaço de terra, que talvez pudesse ser ocupado, começou a plantar
árvores, flores e árvores frutíferas, pegou gosto pela coisa. Talvez, nessa sua
iniciativa, não imaginasse que estivesse construindo ali um oásis perdido em
uma cidade que cresce desorganizadamente e sem um Plano Diretor que seja levado
a sério pelos seus administradores e legisladores.
Pau-brasil (CAESALPINIA ECHINATA LAM), em extinção,que deu nome ao Brasil.Acervo da mimifloresta do sr. João
Há
quem prefere culpar só os políticos pelos descaminhos da cidade, até mesmo em
dizer que não gostam da cidade por causa deles. Os políticos formam uma parte
ínfima da população e não podem ser responsabilizados sozinhos pelas mazelas da
cidade, afinal, existe eleição de quatro em quatro anos. Talvez, essa coisa de
não gostar da cidade e ter os políticos para serem responsabilizados por quase
tudo, deixamos de exercer o nosso papel de cidadão como deveria ser exercido. O
sr. João, com sua simplicidade e vontade, apresentou uma alternativa de como
ocupar um espaço urbano com inteligência e criatividade e, melhor ainda, exercendo
sua cidadania efetiva e afetivamente
Araucária em extinção também tem vários exemplares na Floresta do sr.João
Ali,
na Rua da Esperança, no pé do Morro do Macaco, ao lado do Rio das Pedras,
poluído,que deságua no Tietê, tem pé de amora (vou contar para seu pai que você
namora),romã, uva japonesa (que há muito tempo não via), pau-brasil, araucária,
bambu japonês, ameixa,pitanga,pinhão, acerola, abacaxi, jaca bem pertinho dos
nossos olhos. É preciso preservar. Umdetalhe: parte do entulho (lixo) que é
jogado no Rio e a enxurrada trazcom a chuvatem se transformado em fogão de
lenha, bancos e mesinhas que formam um espaço de lazer. Tudo isso sem a
interferência pública.
Pneus que são jogados ou trazidos pela enxurrada que são aproveitadosna infraestrutura da floresta do sr. João
Fica registrada a história de seu João Marcelino que trabalhou muitos anos no Frigorífico de Cotia, e fez a diferença.
Colaboração: Claudio Kada Valdambrini.