Um país imaginário no continente americano.
Após a cassação do seu mandado
pelo Congresso Nacional, a agora ex-presidenta desce a rampa do Palácio do
Planalto com cabeça erguida e olhar firme no horizonte. O que pensava ela
naquele exato momento? Seu único lamento, diziam seus assessores, era que ela
tinha sido injustiçada. A não ser as insinuações de improbidade administrativa,
nenhuma prova a incriminava.
Mesmo com o olhar firme seus olhos representavam uma intensa solidão. Do lado direito da rampa os coxinhas, vestidos de verde e amarelo, gritavam palavras de ordem. Alguns se excediam nos palavrões. Do outro lado da rampa estavam os vermelhos, que em coro denunciavam que aquilo tinha sido um golpe. A cada passo da ex-presidenta para fora do Planalto o clima ficava mais tenso. Até o final da rampa, no seu último passo, a ex-presidenta não perdera a postura.
Antes que ela tirasse o pé da
rampa por completo ouviu-se um tiro. Segundos depois, outro. Passa um carro a
toda velocidade e dispara outro tiro na multidão, o povo corre alucinado. Antes
separados pelos cordões de segurança, os verde e amarelo e os vermelhos se
misturam em uma pancadaria geral. A ex-presidenta é protegida pelos seus
seguranças e levada novamente para dentro do palácio. O exército entra em ação,
ouvem-se mais tiros. Aos gritos uma senhora chama atenção para dois mortos, um
de cada grupo. Os grupos que se confrontavam ficaram paralisados diante dos
corpos. Uma senhora que não vestia nem verde e nem vermelho, espantada disse em
bom som, “meu Deus o sangue de ambos é vermelho!” Os carecas do ABC,
inconformados, gritam “não é sangue!” A briga recomeça violentamente e se
espalha pelo resto do país. Cidadãos completamente cegos.
Na Avenida Paulista, um repórter
da maior emissora de televisão é crucificado em frente a Federação das
Indústrias com uma faixa no peito com os dizeres “liberdade de imprensa nunca
mais”. Uma cena horrível. Começam as acusações: “foram os bolivarianos, eles
estão infiltrados na multidão”. Uma senhora em estado de choque, com um cartaz
na mão escrito “fim do direito das empregadas domésticas” grita “foram os
cubanos”. Vários corpos estão espalhados pela Avenida Paulista, símbolo do capitalismo
selvagem. Um homem grita “fora os fascistas”. “Abaixo a direita”, grita uma
mulher em lágrimas. Um homem incauto tenta sem sucesso levantar os corpos (nestes
acontecimentos sempre tem muita gente incauta). O país vira um palco de guerra.
O exército enfraquecido assiste ao derramamento de sangue, decepcionando
aqueles que defendiam a volta do militares ao poder.
Os políticos são cercados no
Congresso. Pedem que sejam libertados e prometem ser bons políticos. São
castigados. Os anarquistas colocam fogo nas duas casas de leis. Os políticos são
amarrados e com medo confessam todos os seus crimes. Os coxinhas que podem
escapam aos montes com destino a Miami (nem todos). A presidenta volta ao seu posto. O país
dividido. No sul os separatistas criam a República do Rio Grande do Sul. No nordeste surgem os neocangaceiros, ainda
mais violentos. Em Canudos aparecem os neoconselheiros, ainda mais fanáticos.
Um país sem grandes líderes. Os neonazistas rasgam a constituição. Um país aos
frangalhos. Alguns grupos em número menor pedem a intervenção americana com
medo de uma suposta invasão dos chavistas.
Num sobressalto acordo e percebo
que tive um pesadelo durante o sono. O
Brasil continua democrático. Respeitando sua constituição. Sem qualquer tentativa
desesperada de golpe ilegal. Que a corrupção seja banida sem colocar em risco
as instituições democráticas que ganharam força nas últimas décadas. Viva a
democracia.