Venha compartilhar um pouco do trabalho que realizo como historiador e professor da cidade de Cotia. Mergulhe no passado das pessoas que construiram este lugar, recorde fatos marcantes que deram identidade cultural a esta cidade.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

UM ROTEIRO DE PESQUISA SOBRE COTIA


Está chegando o aniversário de Cotia, e com ele vêm-me à memória as perguntas sobre a História da cidade, que costumava fazer aos meus alunos na época em que lecionava: Quando surgiu Cotia? Quem criou Cotia? Aqui tinha índio? Em que data nasceu Cotia? Teve escravidão em Cotia? De onde veio o nome de Cotia? Onde encontramos material sobre a História de Cotia? Estas perguntas servem, na verdade, para qualquer cidade do Brasil, mas o que acho interessante, é que tem gente curiosa. Muito! E quando essas pessoas começam a perguntar, dá para desenvolver uma boa pesquisa.

Tempos atrás conheci o Professor Milton Meira do Nascimento, da Universidade de São Paulo, que na época desenvolvia um projeto que tinha como objetivo principal pesquisar a História dos municípios. Depois da fase de coleta de material e de sua elaboração, a intenção do professor era publicar um livro sobre a História do município pesquisado.

Interessei-me, mas acabamos por tomar rumos diferentes e não me foi possível engajar na empreitada. E fiquei este tempo todo com a idéia da importância da pesquisa martelando na cabeça. Mas como é difícil encontrar material para realizar este trabalho!

Porém, mesmo que o intercâmbio com o Professor Milton tivesse falhado, a sua iniciativa me estimulou a pensar e a propor um projeto para que cada escola se transformasse em um pólo de pesquisa sobre o município. E ainda mais, ampliar esta idéia de maneira que cada morador também se tornasse um pesquisador. Que tal?

Vamos começar nosso roteiro de pesquisa com o médico e poeta Paulo Bafile, que em seu livro “Acoty Tour”, escreve um texto criativo e bem humorado sobre a origem do nome de Cotia. Apesar de ser um texto de ficção, ele abre a possibilidade de cativar os alunos e de levá-los para uma pesquisa mais aprofundada sobre tema. Leia e divirta-se!

O CASO DA COTIA QUE COMEU A MESA

“Minha mãe me contava um caso antigo, do tempo em que era menina, no Acre. Um dia trouxeram para casa um filhote de cotia pego no mato. Minha avó pôs a cotia para criar, solta dentro de casa e pelo quintal. A cotia foi crescendo, e deu de roer tudo. Um dia, roeu o pé da mesa onde se comia, e a mesa ficou pensa. Aí minha avó se encheu, matou a cotia e comeram a cotia no almoço, sobre a mesa que ela roera.”

Não é engraçado começar o estudo sobre a origem de um nome desta forma? Depois de um bom papo e das risadas com a cotia que foi pra mesa, sugiro alguns textos sobre a cidade, pouco conhecidos, mas escritos com seriedade. O padre e pesquisador Daniel Balzan, que durante anos esteve no comando da Igreja da Matriz de Cotia, que lhe seja feita justiça,   enquanto esteve nestas paragens nunca alterou em nada a arquitetura da igreja, cuja fundação data de 1713. Dos textos escritos por ele, todos são importantes documentos para esclarecer a origem dos mandatários da cidade e o papel que a Igreja exercia na época.

Com certeza, um texto que os nossos pesquisadores adorariam conhecer é um que discorre sobre o “Sepultamento na Freguesia de Cotia”, ou seja, trata da maneira como eram sepultados os mortos da cidade, que nesta época podia ser ou dentro ou em torno do prédio da igreja. Ficou curioso? Com este tema sugestivo encontraremos um farto material de pesquisa a céu aberto, tal como túmulos com nomes de famílias tradicionais, que vão nos revelar, por exemplo, quem foram durante muito tempo os donos do poder.

Igreja Nossa Senhora do Monte Serrat, na praça da matriz. Ainda se encontra taipa de pilão em suas paredes. Ela foi inaugurada em 1713, nas terras do senhor Camargo. É o segundo núcleo de moradores que se formou em Cotia.


Além deste tema proposto, outro sugestivo é sobre a imigração japonesa. No cemitério da igreja matriz encontram-se também vários túmulos com os nomes dos primeiros imigrantes que aqui chegaram. Não precisa ter medo de fantasmas!


Dando continuidade ao roteiro de pesquisa, o professor deve estar, nesta altura, de cabelos em pé e preocupado com o conteúdo curricular que precisa ser ensinado. Não precisa entrar em “estado de neura”, colega! É só parar e pensar sobre o material de pesquisa recolhido e verá que Cotia tem uma relação íntima com a História do Brasil e do mundo. A partir da História local podemos trilhar inúmeras rotas e buscar relações com a História Antiga, com o Período Colonial e outros mais. É só querer! Apesar de não compartilhar muito com esta “história linear”, dá para estudar a História local e não deixar de ensinar o tão cobrado conteúdo. Na verdade, dá para ensinar tudo ao mesmo tempo.


Há cidades antigas, inclusive a antiga Embu, que decidiram preservar seu patrimônio histórico e fazer dele uma atividade de exploração econômica. Ao contrário de Cotia, que foi aos poucos destruindo o seu patrimônio histórico, mais aceleradamente a partir da década de 70. Mesmo assim, temos ainda algumas construções para contar a história arquitetônica do município. Vamos lá!

Temos o Museu do Padre Inácio, o Sítio do Mandu e a Igreja da Matriz. O museu, segundo os estudiosos sobre o assunto, é o maior exemplar de casa colonial em torno de São Paulo e data do século XVIII. Em relação ao Sitio do Mandu, existe uma polêmica sobre a época em que a casa foi construída, mas é colonial. Algumas pesquisas apontam que o primeiro núcleo de moradores de Cotia se formou próximo a este sítio. A Igreja da Matriz data de 1713, e ali na praça se formou o segundo núcleo de moradores. Estas obras arquitetônicas podem ser visitadas e estudadas.

Aproveitando o espaço ao redor destas construções históricas, uma pesquisa interdisciplinar que seria importante para desenvolver é sobre os rios e córregos do município. Rio das Pedras, Sorocamirim e o mais conhecido de todos, o Rio Cotia. Sugeri apenas alguns nomes, mas  aposto que perto de você tem algum rio ou córrego que você conhece. E se não, por que não conhecer melhor? Eles com certeza foram usados pelos exploradores para ampliar e consolidar a expansão geográfica do interior paulista . Acho que você não imaginava a existência de tanta coisa para ser pesquisada e de tantas fontes de informação perto de nós, não é?

Museu do Padre Inácio – casa colonial do século XVIII.


O arquiteto e pesquisador Mário Luiz Savioli escreveu e defendeu uma tese sobre Cotia, da origem aos dias atuais, e publicou o livro “A Cidade e a Estrada”, um trabalho de pesquisa  completo realizado até então, mostrando com clareza os momentos de ascensão e crises do lugar. Um dos períodos abordados pelo autor foi o de quando Cotia quase desapareceu por causa da construção da Estrada Ferro no distrito de Itapevi. O pesquisador ainda ressalta a ocupação desorganizada das décadas de 70 e 80, um estudo atual. A espinha dorsal desta pesquisa é a Rodovia Raposo Tavares, antes estrada e durante muito tempo Rodovia São Paulo-Paraná. Outro historiador que escreveu muito sobre Cotia é o português já cotiano, João Barcellos, mas com temática diversa em relação à cidade.


Outra sugestão para pesquisa é o processo migratório ocorrido no final da década de 60, com a vinda de mineiros que formaram o Bairro do Rio Cotia, tema abordado no livro “Acoty Tour”.

Sítio do Mandu que foi todo restaurado. Ele está próximo do primeiro núcleo de moradores de Cotia


Alguns moradores de Cotia têm postado fotografias e memórias nas redes sociais da Internet, uma outra grande fonte de informações, com certeza, e que democratiza o acesso de todos aos documentos históricos sobre a cidade:

- Cícero Manoel de Oliveira, que tem um acervo significativo de fotos e de memórias da família Oliveira;
- César Tibúrcio, que tem postado fotos e escrito em uma revista local sobre a memória da cidade;
- O irreverente Beto Kodiak também tem socializado seu material fotográfico e histórias sobre os moradores antigos.

Como você pode perceber, material para pesquisa não falta, nem aqui em Cotia e nem onde você está, leitor. É só olhar cuidadosamente, e um mundo de informações vai saltar aos seus olhos de pesquisador.

Quero indicar a leitura de livros sobre personagens ilustres da cidade, como o poeta Batista Cepellos e o Regente Feijó. Gente de Cotia:

Bafile, Paulo. Roteiro Poético Absolutamente Pessoal e Sem Mapa para a Cidade de Cotia.
Barcellos, João. Feijó & Cepellos.
Savioli, Mário Luiz. A Cidade e a Estrada.

Estes livros foram fontes valiosas também para minhas consultas.


Professor Marcos Roberto Bueno Martinez

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O GOLEIRO

Arquivo: Berê Bertuzzi
Recebi esta foto, que foi enviada pela Berenice Bertuzzi (Berê), perguntando se eu poderia adivinhar quem é este  goleiro parado no tempo e que lugar é este em que foi tirada a foto. Durante um tempo fiquei observando e associando as informações que tenho sobre a cidade, mas não consegui descobrir o personagem estático no ar e nem o lugar. Não resisti à curiosidade e pedi que ela me revelasse as informações contidas na foto.  Surpresa! Com certeza você já passou por ali várias vezes.
O lugar onde o Senhor Benedito Camargo Vieira (Apelido  Kayano) exibe a sua boa forma como goleiro é a Praça Joaquim Nunes, a praça do cemitério antigo. O morro atrás faz esquina com a Avenida Mathias de Camargo, onde foi construída a Padaria Estrela, e que hoje deu lugar à loja Marbru. A casa no morro foi demolida há pouco tempo. A foto foi tirada em 1954.   
Prof. Marcos Roberto Bueno Martinez

sábado, 5 de fevereiro de 2011

TIJOLO COM FILOSOFIA


Quando se trabalha com planejamento é preciso decidir prioridades, e quando isto acontece, as coisas que pareciam ser fáceis de realizar ficam distantes dos objetivos já determinados. Aí se reúne a equipe para discutir os novos objetivos, metas e resultados. Vamos lá!

O cenário que encontramos em 2000 na Secretaria de Educação em Cotia foi o de várias prioridades, todas devendo ser solucionadas ao mesmo tempo. Dentro dos objetivos, metas e resultados estabelecidos pela equipe, o mais urgente era construir escolas para atender a demanda escolar. Esta urgência não era “para amanhã”, mas “para ontem”. A indagação do grupo naquele momento era sobre qual estilo de arquitetura escolar queríamos escolher e construir. A partir desta preocupação começamos a fazer a diferença. O principal critério que definimos foi o de que o espaço deveria ser humanizado. Pensando assim, em 8 anos construímos 32 escolas, entre elas 17 Centros Educacionais (creches).

Passado o tempo e com o último censo do IBGE, podemos dizer que tomamos a decisão certa em estabelecer como prioridade a construção de escolas para atender a chegada de novos moradores e dos antigos, então com muitas crianças fora do ambiente escolar. O maior deficit de vagas estava na faixa etária de crianças de 0 a 6 anos. Sendo assim, as escolas foram construídas, na sua maioria, para atender a Educação Infantil.

Mas o trabalho era muito mais amplo. O projeto era discutido com os líderes comunitários ou grupos que desejavam a escola, e eles acompanhavam de perto todo o processo de construção, do chão ao telhado. Um detalhe importante foi que, além dos técnicos que desempenhavam seu papel, o projeto era discutido com a Equipe Pedagógica, que ajudava a pensar o espaço a ser construído de maneira que fosse inteiramente voltado ao aprendizado das crianças. Esta equipe tinha liberdade para sugerir alterações no projeto, sempre no sentido de construir um espaço humanizado. Neste percurso enfrentamos dificuldades. A maior delas era encontrar terrenos nos bairros para erguer os prédios, mas mesmo assim continuamos construindo.

É triste constatar que normalmente a construção de escolas atende somente aos interesses eleitorais, e o que acabamos por ver são prédios escolares que se parecem com prisões, muitas vezes desvinculados da comunidade. São verdadeiros caixotes de concreto. Pensamos todos os projetos de construção das 32 escolas visando receber bem as crianças. O conceito definido para as creches foi o de que deveriam se assemelhar a uma casa. A pintura suave e as ilustrações das paredes, além de serem temáticas e sugeridas pela equipe de educadores da própria escola, deveriam ser algo gostoso de ver. Acabamos por proporcionar uma abertura muito interessante com este jeito de construir: cada escola tinha a sua identidade, a cara de quem frequentava o ambiente. 

A idéia da construção desta escola foi a de que os alunos, professores e funcionários se comunicassem entre si. Os alunos, ao saírem das salas, passam pela direção, pela biblioteca, sala de informática, pela parte administrativa e a cozinha. Todos os segmentos se entreolham. 

Para que se entenda este processo de construção que envolve os sentimentos de todas as pessoas que vivem na escola e em torno dela, quero convidá-los para uma visita às suas   lembranças, através das minhas. O cenário da escola que vou descrever talvez tenha feito parte da vida escolar de alguém. Comecei a estudar no final da década de 60, e a arquitetura da Escola Santa Luzia, em Votuporanga, parecia valorizar a harmonia do espaço com a convivência dos alunos. A direção, as salas e os corredores se comunicavam entre si.  Tinha-se a sensação  de estar aconchegado e protegido. Anos depois, em Cotia, estudei na Escola Batista Cepellos, e a geografia do terreno, aliada à estrutura arquitetônica do prédio, também criavam uma relação intimista entre seus usuários. Era um espaço harmonioso em todos os sentidos. Em meados da década de 70, porém, com o aumento da demanda por vagas, houve a necessidade de ampliar as escolas que já existiam e de construir novos prédios. Infelizmente não se manteve a preocupação com a construção de espaços harmoniosos e humanizados. O único intuito era atender a demanda a qualquer custo.

O conceito dos Centros Educacionais foi o de que eles parecessem com uma casa. Além disto, que fossem aconchegantes e harmoniosos.

É uma pena que a maioria dos projetos de construção de escolas seja apenas para atender aos anseios políticos de quem está no poder e quer continuar lá. Poderíamos enumerar vários que foram realizados nas últimas décadas e que não resultaram em nada, a não ser em “colaborar” com índices baixos, no que tange a qualidade de ensino.

Mas o que é importante neste processo todo é que, mesmo encontrando escolas em situação precária, mergulhadas em diversos problemas, não ficamos olhando para trás e reclamando do que outros não fizeram. Simplesmente nos organizamos para colocar o nosso projeto em prática.



A pintura suave e as ilustrações das paredes, além de serem temáticas e sugeridas pela equipe de educadores da própria escola, deveriam ser algo gostoso de ver.







Cada escola tinha a sua identidade, a cara de quem frequentava o ambiente.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

TERRAÇO DA CASA DO NHÔ ZACA

Eu não imaginava o quanto as fotos antigas podem trazer de sentimentos, o quanto que algumas pessoas, que nenhum relacionamento tiveram com as imagens, se emocionam. E ainda outras pessoas se comovem, ou porque conhecem o lugar onde foi tirada a foto, ou têm algum tipo de amizade com aqueles que por um instante foram flagrados e guardados no tempo. Cada uma delas revivendo suas próprias lembranças. Recebi várias mensagens pela publicação do artigo sobre a casa do “Nhô Zaca”, de gente que viveu ali perto, de gente que frequentava o lugar, e de transeuntes que passavam pela velha estrada São Paulo-Paraná, a Raposo Tavares, e avistava a casa do terraço por um momento ao passar rumo ao seu destino. 


 Arquivo: Eliana Silva
“O melhor da casa do Nhô Zaca era o terraço, onde todos se encontravam pra conversar, aprender a dançar, jogar conversa fora, e ficar olhando pra estrada, etc., etc. Ao longo dos anos muitas coisas aconteceram neste terraço. Nesta foto estão Heloisa, Helena, a Rosinha (minha prima), e Luizinho (naquela época). Mamãe estava atrás.
Beijos,
Eliana.”