Está chegando o aniversário de Cotia, e com ele vêm-me à memória as perguntas sobre a História da cidade, que costumava fazer aos meus alunos na época em que lecionava: Quando surgiu Cotia? Quem criou Cotia? Aqui tinha índio? Em que data nasceu Cotia? Teve escravidão em Cotia? De onde veio o nome de Cotia? Onde encontramos material sobre a História de Cotia? Estas perguntas servem, na verdade, para qualquer cidade do Brasil, mas o que acho interessante, é que tem gente curiosa. Muito! E quando essas pessoas começam a perguntar, dá para desenvolver uma boa pesquisa.
Tempos atrás conheci o Professor Milton Meira do Nascimento, da Universidade de São Paulo, que na época desenvolvia um projeto que tinha como objetivo principal pesquisar a História dos municípios. Depois da fase de coleta de material e de sua elaboração, a intenção do professor era publicar um livro sobre a História do município pesquisado.
Interessei-me, mas acabamos por tomar rumos diferentes e não me foi possível engajar na empreitada. E fiquei este tempo todo com a idéia da importância da pesquisa martelando na cabeça. Mas como é difícil encontrar material para realizar este trabalho!
Porém, mesmo que o intercâmbio com o Professor Milton tivesse falhado, a sua iniciativa me estimulou a pensar e a propor um projeto para que cada escola se transformasse em um pólo de pesquisa sobre o município. E ainda mais, ampliar esta idéia de maneira que cada morador também se tornasse um pesquisador. Que tal?
Vamos começar nosso roteiro de pesquisa com o médico e poeta Paulo Bafile, que em seu livro “Acoty Tour”, escreve um texto criativo e bem humorado sobre a origem do nome de Cotia. Apesar de ser um texto de ficção, ele abre a possibilidade de cativar os alunos e de levá-los para uma pesquisa mais aprofundada sobre tema. Leia e divirta-se!
O CASO DA COTIA QUE COMEU A MESA
“Minha mãe me contava um caso antigo, do tempo em que era menina, no Acre. Um dia trouxeram para casa um filhote de cotia pego no mato. Minha avó pôs a cotia para criar, solta dentro de casa e pelo quintal. A cotia foi crescendo, e deu de roer tudo. Um dia, roeu o pé da mesa onde se comia, e a mesa ficou pensa. Aí minha avó se encheu, matou a cotia e comeram a cotia no almoço, sobre a mesa que ela roera.”
Não é engraçado começar o estudo sobre a origem de um nome desta forma? Depois de um bom papo e das risadas com a cotia que foi pra mesa, sugiro alguns textos sobre a cidade, pouco conhecidos, mas escritos com seriedade. O padre e pesquisador Daniel Balzan, que durante anos esteve no comando da Igreja da Matriz de Cotia, que lhe seja feita justiça, enquanto esteve nestas paragens nunca alterou em nada a arquitetura da igreja, cuja fundação data de 1713. Dos textos escritos por ele, todos são importantes documentos para esclarecer a origem dos mandatários da cidade e o papel que a Igreja exercia na época.
Com certeza, um texto que os nossos pesquisadores adorariam conhecer é um que discorre sobre o “Sepultamento na Freguesia de Cotia”, ou seja, trata da maneira como eram sepultados os mortos da cidade, que nesta época podia ser ou dentro ou em torno do prédio da igreja. Ficou curioso? Com este tema sugestivo encontraremos um farto material de pesquisa a céu aberto, tal como túmulos com nomes de famílias tradicionais, que vão nos revelar, por exemplo, quem foram durante muito tempo os donos do poder.
Igreja Nossa Senhora do Monte Serrat, na praça da matriz. Ainda se encontra taipa de pilão em suas paredes. Ela foi inaugurada em 1713, nas terras do senhor Camargo. É o segundo núcleo de moradores que se formou em Cotia.
Além deste tema proposto, outro sugestivo é sobre a imigração japonesa. No cemitério da igreja matriz encontram-se também vários túmulos com os nomes dos primeiros imigrantes que aqui chegaram. Não precisa ter medo de fantasmas!
Dando continuidade ao roteiro de pesquisa, o professor deve estar, nesta altura, de cabelos em pé e preocupado com o conteúdo curricular que precisa ser ensinado. Não precisa entrar em “estado de neura”, colega! É só parar e pensar sobre o material de pesquisa recolhido e verá que Cotia tem uma relação íntima com a História do Brasil e do mundo. A partir da História local podemos trilhar inúmeras rotas e buscar relações com a História Antiga, com o Período Colonial e outros mais. É só querer! Apesar de não compartilhar muito com esta “história linear”, dá para estudar a História local e não deixar de ensinar o tão cobrado conteúdo. Na verdade, dá para ensinar tudo ao mesmo tempo.
Há cidades antigas, inclusive a antiga Embu, que decidiram preservar seu patrimônio histórico e fazer dele uma atividade de exploração econômica. Ao contrário de Cotia, que foi aos poucos destruindo o seu patrimônio histórico, mais aceleradamente a partir da década de 70. Mesmo assim, temos ainda algumas construções para contar a história arquitetônica do município. Vamos lá!
Temos o Museu do Padre Inácio, o Sítio do Mandu e a Igreja da Matriz. O museu, segundo os estudiosos sobre o assunto, é o maior exemplar de casa colonial em torno de São Paulo e data do século XVIII. Em relação ao Sitio do Mandu, existe uma polêmica sobre a época em que a casa foi construída, mas é colonial. Algumas pesquisas apontam que o primeiro núcleo de moradores de Cotia se formou próximo a este sítio. A Igreja da Matriz data de 1713, e ali na praça se formou o segundo núcleo de moradores. Estas obras arquitetônicas podem ser visitadas e estudadas.
Aproveitando o espaço ao redor destas construções históricas, uma pesquisa interdisciplinar que seria importante para desenvolver é sobre os rios e córregos do município. Rio das Pedras, Sorocamirim e o mais conhecido de todos, o Rio Cotia. Sugeri apenas alguns nomes, mas aposto que perto de você tem algum rio ou córrego que você conhece. E se não, por que não conhecer melhor? Eles com certeza foram usados pelos exploradores para ampliar e consolidar a expansão geográfica do interior paulista . Acho que você não imaginava a existência de tanta coisa para ser pesquisada e de tantas fontes de informação perto de nós, não é?
Museu do Padre Inácio – casa colonial do século XVIII.
O arquiteto e pesquisador Mário Luiz Savioli escreveu e defendeu uma tese sobre Cotia, da origem aos dias atuais, e publicou o livro “A Cidade e a Estrada”, um trabalho de pesquisa completo realizado até então, mostrando com clareza os momentos de ascensão e crises do lugar. Um dos períodos abordados pelo autor foi o de quando Cotia quase desapareceu por causa da construção da Estrada Ferro no distrito de Itapevi. O pesquisador ainda ressalta a ocupação desorganizada das décadas de 70 e 80, um estudo atual. A espinha dorsal desta pesquisa é a Rodovia Raposo Tavares, antes estrada e durante muito tempo Rodovia São Paulo-Paraná. Outro historiador que escreveu muito sobre Cotia é o português já cotiano, João Barcellos, mas com temática diversa em relação à cidade.
Outra sugestão para pesquisa é o processo migratório ocorrido no final da década de 60, com a vinda de mineiros que formaram o Bairro do Rio Cotia, tema abordado no livro “Acoty Tour”.
Sítio do Mandu que foi todo restaurado. Ele está próximo do primeiro núcleo de moradores de Cotia
Alguns moradores de Cotia têm postado fotografias e memórias nas redes sociais da Internet, uma outra grande fonte de informações, com certeza, e que democratiza o acesso de todos aos documentos históricos sobre a cidade:
- Cícero Manoel de Oliveira, que tem um acervo significativo de fotos e de memórias da família Oliveira;
- César Tibúrcio, que tem postado fotos e escrito em uma revista local sobre a memória da cidade;
- O irreverente Beto Kodiak também tem socializado seu material fotográfico e histórias sobre os moradores antigos.
Como você pode perceber, material para pesquisa não falta, nem aqui em Cotia e nem onde você está, leitor. É só olhar cuidadosamente, e um mundo de informações vai saltar aos seus olhos de pesquisador.
Quero indicar a leitura de livros sobre personagens ilustres da cidade, como o poeta Batista Cepellos e o Regente Feijó. Gente de Cotia:
Bafile, Paulo. Roteiro Poético Absolutamente Pessoal e Sem Mapa para a Cidade de Cotia.
Barcellos, João. Feijó & Cepellos.
Savioli, Mário Luiz. A Cidade e a Estrada.
Estes livros foram fontes valiosas também para minhas consultas.
Professor Marcos Roberto Bueno Martinez
Em 21 de fevereiro de 2011,
ResponderExcluirGostei das sugestões ,mas digo que muitas escolas de nosso município já possuem um materal rico de pesquisa sobre os bairros onde estão localizadas, associadas (ou não) com a História de Cotia. Alerto, contudo, que há necessidade de diferenciar memória ( seja ela via oral ou iconográfica) de história. Não se pode confundir fotografia, por exemplo, com material histórico.
Repensar a educação e a nossa prática é um dever histórico, porque temos a responsabilidade de transformar a sociedade , via uma educação libertadora e compronissada com a formação do homem consciente e pleno no exercício de sua cidadania.
Ferreira Gullar assim se expressa:"A História humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas " Jose Roberto
Aos prezados e queridos professores Marcos e José Roberto.
ResponderExcluirComo sempre, seus comentários e postagens me instigam a pensar e a procurar o conhecimento, cada vez mais. Falta-me talvez colocar em prática o que aprendo, em prol da transformação urgente e necessária da sociedade, tal como aí está, mas essa é uma outra questão, pertencente, neste momento, unicamente ao rol de minhas preocupações pessoais. Deixemo-la de lado.
Gostaria de colocar em discussão a diferença de abordagem de ambos, relativamente à historicidade ou não de material fotográfico. Perdoem-me a ousadia, pois não sou da disciplina de História, mas quero aprender com quem sabe.
O Professor Marcos faz há muitos anos um trabalho de resgate da História recente de Cotia, utilizando-se fartamente de material fotográfico. Ou seja: ele parte das memórias suscitadas pelas imagens, para chegar a um panorama geral e histórico da vida na cidade, no período abordado.
Por sua vez, o Professor José Roberto “alerta para a necessidade de diferenciar memória de História, fotografia de material histórico”, também bastante pertinente a meu ver.
São duas linhas de trabalho diferentes, dois enfoques diferentes, e deixo aqui um convite para um debate entre os dois professores. Informo desde já que, egoisticamente, eu só teria a ganhar. Mas consigo estender este conhecimento aos demais interessados.
Um grande abraço da amiga,
Linda.
Olá, Marcos.
ResponderExcluirMeu nome é Marcel Defensor e dedico uma parte do meu tempo livre à pesquisa sobre as origens do município onde vivo, Quadra-SP.
Quadra é um município às margens da Castelo Branco, maior produtor de milho branco (canjica) do país e foi desmembrado de Tatuí há 17 anos.
Bom, meu contato deve-se aos resultados das pesquisas que faço, que levam à uma colonização maciça da região do meu município e também de Tatuí, por volta de 1850, por diversas famílias de Cotia e Una.
Gostaria de saber se você conhece algum fato motivador dessa "migração" ocorrida.
Meu blog não está muito atualizado, mas pretendo publicar alguma coisa sobre isso num futuro próximo. O endereço é historiadequadra.blogspot.com e meu e-mail é crotophaga@ig.com.br .
Aguardo resposta.