Hoje sou costurado, sou tecido .
Sou gravado de forma universal.
Saio da estamparia, não de casa
Da vitrina me tiram, recolocam.
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem
Já não me convém o titulo de homem
Meu nome novo é coisa
Eu sou a coisa coisamente.
EU, ETIQUETA (Carlos Drummmond de Andrade)
No meu primeiro dia de aula tudo era novidade e surgia um mundo completamente diferente do qual tinha vivido até então. Amigos novos, recreio, merenda e um pátio imenso para correr e brincar. Cada criança naquele primeiro dia de vida escolar, ao seu modo tentava marcar seu espaço. Até aí tudo bem, mas foi na saída da escola que percebi que começaria a enfrentar problemas com os antigos alunos. Um menino bem maior do que eu dizia com uma cara de mau e com muita firmeza, que ia me bater na saída da aula. Fiquei apavorado, pois não tinha feito nada e aquele grandão queria me acertar. O que fazer?
Na saída ele partiu para a agressão, e fui cercado pelos seus amigos. Quando ele veio com um soco armado, não tive dúvida: agachei, peguei uma pedra e a lancei com destino certeiro, nos pés do menino, que desabou aos gritos. Para imaginar a cena, é só lembrar do enfrentamento de Golias e Davi.
Mesmo tentando me defender, o desfecho não foi nada satisfatório para mim. Quando cheguei em casa, a mãe do menino estava entregando a pedra para meu pai e contando a história do jeito dela. Levei “aquela” chamada e me foi dito muito claramente, que da próxima vez eu deveria procurar o diretor ou o professor, e depois contar em casa o que aconteceu. E que nunca desrespeitasse meu professor! Aprendi que jogar pedra não era a melhor saída. Além do esfregão foram cortados alguns privilégios.
Cresci como milhões de crianças e jovens, influenciado pelas revoluções culturais dos anos 60 e 70. Os valores foram remexidos revirados e alguns triturados, e aquilo que era certeza até então, em termos de comportamento, deixou de ser. O homem chegou à lua, houve a Guerra Fria, o movimento hippie, a explosão do movimento estudantil no mundo, as ditaduras na América Latina, e os enfrentamentos da resistência foram criando um cenário nunca visto. A família também foi atingida em cheio por estas mudanças. A hierarquia patriarcal sofreu uma grande transformação.
Toda esta breve introdução e contextualização foram feitas para falar sobre a violência nas escolas, que vem atingindo pobres e ricos indistintamente, e cada um com seu grau de perversidade. Outro dia minha filha reclamou que os colegas de escola estavam “zoando” do seu sotaque nordestino, que às vezes, conforme a palavra, fica acentuado. Disse a ela que falasse com a coordenadora, e aparentemente as coisas se acalmaram.
Mas... a calmaria foi aparente. Ela e uma amiga foram atacadas covardemente no Facebook. Não publicarei os nomes dos agressores e nem dos agredidos, claro, mas alerto os pais para que prestem mais atenção nos seus filhos. Foi postada uma foto de uma menina negra, de cabelos loiros, e a conversa virtual foi e é preocupante, estarrecedora, carregada de dissimulação, ódio, preconceito, prepotência, arrogância, homofobia, com a certeza da impunidade. Transcrevo um trecho:
“..... sim claro que sei ..... é essa que estou pensando ..... nossa que coisa feia! ..... que p... (palavrão) é essa ..... KKKKKKKK ..... Cara não cita o nome de ninguém aki ..... Qual o problema não existe só ..... na tal série ..... cuidado com o Prof. ..... Ele tem face(book) ..... Apaguei depois f... (palavrão) pro meu lado ..... Ele vai fazer o que me deixar de castigo hahaha ..... quem é esta preta ..... uma menina diz: c... (palavrão) parece com aquelas meninas.” E a agressão virtual vai longe, acrescida de muitos erros de Português, diga-se de passagem.
A escola tem a responsabilidade de promover palestras, discussões e atividades educacionais sobre o tema, ninguém tem dúvida sobre isso. Por outro lado, é bom salientar que a escola tem seu limite de atuação sobre os alunos, e o “grosso” da educação tem que ser realizado no núcleo familiar. Sabemos que estamos procurando um novo formato de família e de educação dos nossos filhos, mas tem coisas que são básicas, como colocar limite no uso da Internet, valorizar atividades culturais e nem tanto as de consumo, por exemplo. Que filhos estamos criando, que querem marcar seu espaço subestimando covardemente outros seres humanos, e com tamanho sentimento de desprezo?
Nos meus anos de sala de aula como professor, vi de tudo: aluno agredindo professor e vice-versa, mães incentivando seus filhos a reagirem com violência. O que percebi foi que muitas vezes o chamado aluno “problema”, quase que deixa de sê-lo, quando conhecemos os pais. Passamos a entendê-lo melhor. E se pudéssemos indicaríamos um tratamento a estes pais. Para encerrar o assunto, quando algum aluno se sentir agredido deve tentar dialogar com a escola e informar o ocorrido à família. Se o problema não for resolvido, os pais devem procurar o Conselho Tutelar e o Ministério Público. Não se calem!
Professor Marcos Roberto Bueno Martinez
Leituras complementares no blog:
- Pais e Filhos
- Violência na Escola
Excelente, Professor Marcão, pertinente e verdadeiro, parabéns pelo blog, saudações e sucesso.
ResponderExcluirOlá professor. O Bullying é meu conhecido das épocas de escola, mas nunca sofri o bullying virtual. Este, diga-se de passagem é extremamente violento e atinge aos agredidos, muito mais do que aparenta, pois, chega até muito mais longe. Eu estudei com você e lembro-me que você dizia para a minha mãe que eu não era uma aluna problema, mas, nunca fui das alunas mais exemplares. Eu me tornei uma pessoa que evita julgar aos outros antes de conhecer, mas sofri muito por ser tratada com indiferença e com brincadeiras agressivas. Espero, realmente, que os pais e mães dessas crianças que agridem, um dia, sentem e conversem com seus filhos para evitar maiores transtornos.
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