Há muito tempo escrevi um texto sobre a experiência que vivemos na Escola Estadual Vinícius de Moraes. Ele se perdeu, pois ainda não existiam memória de computador e tantas outras facilidades para guardá-lo. Vou tentar reescrevê-lo, mas agora com a visão dos mais de trinta anos que se passaram.
Neste início de ano fui visitar alguns amigos de escola para colocar a conversa em dia e lembrar deste tempo. Unanimidade entre os visitados, a escola Vinicius de Moraes marcou e fez a diferença na nossa formação intelectual e profissional.
No começo da década de 80 formou-se ali um grupo de professores que viam com muita clareza a importância da formação do aluno cidadão. As aulas eram dinâmicas e sempre acompanhadas de temas da política, da cultura e da economia vinculados ao ensino de Matemática, História, Química e outras disciplinas. Aulas inesquecíveis!
O cenário que permeava a escola e o país no final da década de 70 e início de 80 era o da luta para a volta dos exilados, da greve no ABC, das comunidades de bases se organizando e tantos outros movimentos que se insurgiam contra os quase vinte anos de ditadura militar, implantada em 31 de Março de 1964. O diretor da escola, Santo dos Reis Siqueira, foi uma peça importante nesta efervescência de atividades transformadoras. Lembro-me que ele tinha uma Belina bem surrada, e de vez em quando enchia o carro de alunos e os levava para participar de debates, palestras e discussões sobre a necessidade urgente do país se democratizar. E enquanto as outras escolas incentivavam a organização de centros cívicos, estruturamos um dos primeiros grêmios estudantis livres do Brasil. Existia uma certa desobediência civil...
Os desfiles de aniversário da cidade eram motivadores e inovadores, mas nunca conseguimos continuar até o final do evento. Explico o porquê. Num deles, recebemos um tema da prefeitura, que deveríamos desenvolver para mostrar as belezas de Fernando Noronha. Os alunos iniciaram o trabalho discutindo o tema sugerido a partir de uma pergunta: como se fazia para chegar a Fernando de Noronha? Na discussão apareceram coisas como de barco, de avião, de pedalinho (risos), só que para chegar a estes meios de transporte era preciso ônibus! Esta foi a deixa que precisávamos para trazer o assunto para a realidade do transporte público em Cotia, que naquela época já era ruim.
Toda a escola foi mobilizada para estruturar e organizar o desfile e muitos alunos se envolveram em tudo o que acontecia, até mesmo os indiferentes. De verdade: todos foram contagiados por aquela movimentação frenética, embora muitos alunos e alguns professores defendessem a ideia de que aula era aquela de conteúdo. Para mostrar a precariedade do transporte público em Cotia, montamos um ônibus e colocamos centenas de alunos dentro, como se estivessem em uma lata de sardinha, além de outras alegorias. Coisa mais linda ver quinhentos alunos acompanhando a música que escolhemos e a chegada na avenida, quando começaram a fazer evoluções como numa escola de samba. O batalhão de choque já estava ali impedindo nosso avanço e desviando os alunos para uma rua distante do evento. Por isso nunca chegamos ao final da festa. Mas valeu muito o aprendizado sobre cidadania e que a escola poderia ser um espaço transformador.
Num outro desfile adaptamos a música “Gente Humilde”, do Vinicius de Moraes, para retratar a precariedade da moradia na cidade. Também não chegamos ao final... em outra oportunidade trago esta história em detalhes.
Professor Marcos Roberto Bueno Martinez