Há quase 15 anos, escrevi este texto, que utilizei para apresentação do
meu livro, Memória & Imagem, hoje não me considero mais um estrangeiro.
Hora, depois de quase quarenta anos nesta cidade, finquei raízes e construí
mais do que uma vida. Ao reler este texto antigo, constato que muitas coisas
mudaram e outras continuam do mesmo jeito. Ao republica-lo é importante avaliarmos
como nos relacionamos com Cotia, e como cidadão qual o destino que queremos dar
para a cidade. Estrangeiro ou não?
Estrangeiro
A primeira vez em que coloquei os pés em Cotia foi em 1976, e senti uma
imensa saudade da terra onde nasci. Cotia, com aquele jeitão de cidade do
interior, fez-me lembrar de Votuporanga, lugar que tive de deixar na
adolescência. Curioso, olhava as ruas de paralelepípedos e aquelas casas de
taipa de pilão, como se já as conhecesse há muito tempo. Naquela visita rápida,
que fiz pela cidade, fiquei com a sensação de que um dia eu voltaria... para
morar. E voltei.
Em 1978 mudei-me definitivamente
para Cotia. Dois anos depois da primeira visita a cidade tinha mudado muito.
Alguns casarões tinham desaparecido e aquele ar de cidade do interior estava
com um cheiro esquisito. Apesar das mudanças, mantinha o desejo de saber como
era esta cidade e como eram as pessoas que aqui viviam. Como era antigamente?
Como novo morador, queria fazer parte da vida da cidade e criar vínculos.
Afinal, todos os meus sonhos seriam vividos aqui...
O tempo foi passando e o
crescimento acelerado da cidade, praticamente, destruiu aquele lugar com cara
de província. Mesmo não tendo iniciado o curso superior de História, fazia
pesquisa com os moradores antigos. Objetivo? Resgatar a memória do que estava
se perdendo.
Nós, moradores, que chegamos nas
últimas décadas do crescimento desordenado, éramos estrangeiros, e precisávamos
encontrar a nossa identidade cultural, que ficou para trás. Esta necessidade de
ser alguém fez com que me empenhasse em escrever este Livro, que fala da Cotia
do início do Séc. XX até final dos Anos 60. O que fazer? Encontramos a melhor
maneira de registrar esse período fazendo entrevistas com moradores antigos...
Um trabalho que demorou quase 10 anos para se realizar. Ganhar a confiança para
que as pessoas falassem das suas lembranças não foi tarefa fácil. Aos poucos,
íamos reconstituindo um pedaço da memória da cidade que estava escondida. A
primeira pessoa que se desnudou na frente de uma câmera de vídeo, para falar do
passado, foi dona Irene Lemos Leite Silva; depois, a filha de Nhô Nhô, e assim
foi. Nos últimos anos começaram a aparecer fotografias que vieram reforçar
aqueles registros orais. Tínhamos, então, o poder das imagens congeladas e as
palavras nas entrevistas – palavras que deram sentido e vida para as fotos: era
uma cidade que quase só existia na memória dos vividos.
Mas, este Livro, não é só para
ficarmos a viver do passado. Ele traz na fala dos moradores antigos e nas
fotografias, um chamado: precisamos interferir no cotidiano desta cidade para
melhorarmos a qualidade de vida e resgatar, principalmente, a dignidade. O
material que produzimos com a pesquisa mostra, claramente, que fomos omissos em
relação à destruição das festas religiosas, do bom humor e da arquitetura da
região central de Cotia. Entretanto, ainda há tempo para mudar e socorrer...
Essa omissão não foi, de todo,
completa. Omissão maior foi a do Poder público, que sempre esteve atrasado na
relação com as necessidades da Comunidade. A água chegou na pequena cidade nos
Anos 40, com atraso! Passados muitos anos, algumas necessidades básicas ainda
não foram atendidas. O hiato entre o Poder público e a Comunidade é gritante. A
maior obra pública da cidade foi realizada pela Comunidade: o Hospital de
Cotia.
Memória & Imagem não
é um amontoado de velharias. É um espelho – principalmente para os políticos –
para os que precisam andar em compasso com a construção de uma Cotia que
valorize o seu passado.
Na fala dos entrevistados
encontramos a Amizade, o Amor – um Amor que, pelo próximo, é grande!... Os
mendigos – Morrudo e Inácio – eram tratados como “gente da família”. Outro
aspecto interessante que esta pesquisa revela é que tal atitude de Amor se
ampliou: são várias as instituições que prestam serviços filantrópicos no
Município. Cuidam dos velhos, das crianças, dos deficientes e dos desamparados;
é um segmento da Sociedade que pulsa completamente dissociado do Poder público,
que perde a oportunidade de caminhar com a Sociedade. As pessoas tinham uma
relação lúdica entre elas. Em alguns depoimentos isto está claro. Os laços de
Amizade, de Respeito e de Amor, eram virtudes que permeavam as relações. Na
leitura dos textos fica a impressão de que alguns moradores ficavam um bom
tempo imaginando, como criar estripulias para aplicar nos vizinhos, nos colegas
de trabalho. E o que é importante frisar: as brincadeiras não agrediam a
dignidade dos envolvidos (...bem diferentes das realizadas nos programas de
auditório de tv, sem categoria alguma)! Com este Livro, resgatamos o
Humor, a Solidariedade e a Fraternidade. Nós, tão estrangeiros quando
chegamos aqui, somos agora parte integrante destas histórias e da vida real de
Cotia.
A criação de uma Cidade melhor
está em nossas mãos.
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