Na década de setenta, caminhar sem documento era cana na certa
ou humilhação. Esculhambação! O documento que valia nessa época era a carteira
de trabalho com registro de emprego. Se não houvesse registro de um trabalho, o
esculacho era quase certo. De vagabundo pra baixo. Em uma parada policial, a
Carteira Profissional indicava que você era um cidadão. A carteira de trabalho
era sua alforria.
Cidadão completo era aquele que apresentava a carteira com
registro de trabalho, orgulhosamente! Com o tempo, esse documento majestoso foi
saindo de cena. O Milagre Econômico do Regime Militar não surtiu o efeito
pretendido e o desemprego apareceu, violentamente, junto com a inflação.Em um
país que o desemprego é grande, a carteira perdeu seu valor no sentido de
estabelecer cidadãos. Ora, cidadão é um conceito que vai além de um registro na
carteira profissional.
Depois desse período...
A carteira perdeu seu status
quo! Entra em cena a carteira de identidade... Lembram?
Depois desse período sombrio, na década de oitenta, a
carteira de identidade aparece soberana. Um tempo de Diretas Já! Um período de
reconstrução da democracia. Uma explosão de eventos culturais. Quase todo mundo
querendo dizer alguma coisa. A carteira de Identidade aparece leve e suave. Sua
exigência não era tão necessária como a profissional. Para abrir um crediário,
a carteira de trabalho tinha sua importância, mas não sozinha - agora
acompanhada da identidade. Começava a aparecer um cidadão light, mas indignado com a injustiça.
Com o tempo, a carteira foi substituída, no caso de uma
compra de crediário, pelo holerite.
Inflação, desemprego e outras mazelas sociais, mas a
identidade, quando solicitada, o cidadão não se apresentava tão submisso.
Questionava! Falava de direitos. Os tempos eram outros. A Constituinte
promulgada. Cidadão.
Depois da década de oitenta...
A democracia consolidada e o mercado ampliado e,consequentemente,o
consumo. Milhões de brasileiros saindo da miséria foram inseridos no mundo do
consumo, alucinados. A carteira profissional e a carteira de identidade estão
quase aposentadas- o que vale como documento hoje é o CPF. Esses números dizem que
você, como cidadão, está inserido no mercado de consumo. Cidadão consumido.
Agora, a luta é contra a corrupção. A ditadura militar ficou
lá pra atrás (apesar de que há gente com saudade). O que
vale é o que temos não o que somos. Não precisamos de documentos para dizer que
queremos ser cidadãos. Já somos! A caixa do mercado pergunta antes de registrar
a compra:o senhor quer Nota fiscal Paulista? Sim ou não? Sim! Qual o número do
seu CPF?Agora, sim, cidadão inserido. É bom lembrar que ainda temos milhões que
ainda não têm e não tiveram nenhum desses documentos. Não foram inseridos no
mercado de consumo. Estão à margem!
Qual será o próximo documento que entrará em moda?
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