Quando comecei a deixar de usar calção e passei a usar calça
comprida de tergal, era um sinal que estava me tornando um rapazinho. (Tergal
era um pano chique da época.) Arrumar um trabalho era um desejo imenso para
quem começava a adolescer em uma cidade pequena do interior de São Paulo. O
trabalho, muitas vezes precoce, era uma forma de ascender socialmente. Mais ou
menos. Outro desejo depois do trabalho era ter uma bicicleta. Desejo de
consumo. Carro era uma realidade ainda muito distante.
Desejo e sonho: trabalho, bicicleta e uma namorada.
Em Votuporanga, onde nasci e morava, tinha estacionamento de
bicicletas. Não ria, por favor! Na hora do almoço, quando os operários saiam
para almoçar, tinha congestionamento de magrelas. Parecia um formigueiro. Conviviam
charretes puxadas por cavalos e bicicletas sem qualquer tipo de conflito.
Harmoniosamente. Convivia o urbano com o rural. Convivíamos como gente
civilizada. Cada cidadão respeitando a mobilidade do outro.
Bem diferente dos dias de hoje.
Ter uma bicicleta era sinal de que a vida estava melhorando. O
que eu não entendo nos dias de hoje é esta briga maluca entre carros e
bicicletas, principalmente nas grandes cidades. Todo dia tem notícia de
atropelamento de pedestres ou de ciclistas. Uma guerra. Para estes assassinos
de ciclistas e pedestres não importa se mataram, pagam uma fiança e logo estão
na rua. A lei diz que este tipo de crime não é culposo... A mobilidade virou um
inferno.
Mobilidade é uma briga antiga.
Imaginem quando Leonardo da Vinci criou o primeiro projeto de
uma bicicleta no Período Renascentista? Mesmo não conseguindo colocar seus
projetos em funcionamento, muitos críticos de Leonardo o chamaram de maluco com
suas invenções. Com certeza maluco! Mas nenhum inventor cria um projeto achando
que ele vai matar tanta gente.
Essa raiva de alguns moradores da cidade de São Paulo com a
construção das ciclovias mostra como os donos de carros são prepotentes. O meu
carro. Meu espaço. Como se o carro fosse o meio de transporte mais antigo do
mundo. Até parece que antes do carro não tínhamos nenhuma outra forma de
locomoção. Egocentrismo doentio. Egoísmo! Aos
gritos dizem: “- Eles atrapalham o trânsito, que já é uma bagunça.” Outros até
dizem que, se o ciclista marcar bobeira, passam por cima. Violência!
Não é possível carros e bicicletas conviverem
harmoniosamente?
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