Venha compartilhar um pouco do trabalho que realizo como historiador e professor da cidade de Cotia. Mergulhe no passado das pessoas que construiram este lugar, recorde fatos marcantes que deram identidade cultural a esta cidade.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

COTIA 157 ANOS.




Há quase 15 anos, escrevi este texto, que utilizei para apresentação do meu livro, Memória & Imagem, hoje não me considero mais um estrangeiro. Hora, depois de quase quarenta anos nesta cidade, finquei raízes e construí mais do que uma vida. Ao reler este texto antigo, constato que muitas coisas mudaram e outras continuam do mesmo jeito. Ao republica-lo é importante avaliarmos como nos relacionamos com Cotia, e como cidadão qual o destino que queremos dar para a cidade. Estrangeiro ou não?   



Estrangeiro



   A primeira vez em que coloquei os pés em Cotia foi em 1976, e senti uma imensa saudade da terra onde nasci. Cotia, com aquele jeitão de cidade do interior, fez-me lembrar de Votuporanga, lugar que tive de deixar na adolescência. Curioso, olhava as ruas de paralelepípedos e aquelas casas de taipa de pilão, como se já as conhecesse há muito tempo. Naquela visita rápida, que fiz pela cidade, fiquei com a sensação de que um dia eu voltaria... para morar. E voltei.
   Em 1978 mudei-me definitivamente para Cotia. Dois anos depois da primeira visita a cidade tinha mudado muito. Alguns casarões tinham desaparecido e aquele ar de cidade do interior estava com um cheiro esquisito. Apesar das mudanças, mantinha o desejo de saber como era esta cidade e como eram as pessoas que aqui viviam. Como era antigamente? Como novo morador, queria fazer parte da vida da cidade e criar vínculos. Afinal, todos os meus sonhos seriam vividos aqui...
   O tempo foi passando e o crescimento acelerado da cidade, praticamente, destruiu aquele lugar com cara de província. Mesmo não tendo iniciado o curso superior de História, fazia pesquisa com os moradores antigos. Objetivo? Resgatar a memória do que estava se perdendo.
   Nós, moradores, que chegamos nas últimas décadas do crescimento desordenado, éramos estrangeiros, e precisávamos encontrar a nossa identidade cultural, que ficou para trás. Esta necessidade de ser alguém fez com que me empenhasse em escrever este Livro, que fala da Cotia do início do Séc. XX até final dos Anos 60. O que fazer? Encontramos a melhor maneira de registrar esse período fazendo entrevistas com moradores antigos... Um trabalho que demorou quase 10 anos para se realizar. Ganhar a confiança para que as pessoas falassem das suas lembranças não foi tarefa fácil. Aos poucos, íamos reconstituindo um pedaço da memória da cidade que estava escondida. A primeira pessoa que se desnudou na frente de uma câmera de vídeo, para falar do passado, foi dona Irene Lemos Leite Silva; depois, a filha de Nhô Nhô, e assim foi. Nos últimos anos começaram a aparecer fotografias que vieram reforçar aqueles registros orais. Tínhamos, então, o poder das imagens congeladas e as palavras nas entrevistas – palavras que deram sentido e vida para as fotos: era uma cidade que quase só existia na memória dos vividos.
   Mas, este Livro, não é só para ficarmos a viver do passado. Ele traz na fala dos moradores antigos e nas fotografias, um chamado: precisamos interferir no cotidiano desta cidade para melhorarmos a qualidade de vida e resgatar, principalmente, a dignidade. O material que produzimos com a pesquisa mostra, claramente, que fomos omissos em relação à destruição das festas religiosas, do bom humor e da arquitetura da região central de Cotia. Entretanto, ainda há tempo para mudar e socorrer...
   Essa omissão não foi, de todo, completa. Omissão maior foi a do Poder público, que sempre esteve atrasado na relação com as necessidades da Comunidade. A água chegou na pequena cidade nos Anos 40, com atraso! Passados muitos anos, algumas necessidades básicas ainda não foram atendidas. O hiato entre o Poder público e a Comunidade é gritante. A maior obra pública da cidade foi realizada pela Comunidade: o Hospital de Cotia.
   Memória & Imagem não é um amontoado de velharias. É um espelho – principalmente para os políticos – para os que precisam andar em compasso com a construção de uma Cotia que valorize o seu passado.
   Na fala dos entrevistados encontramos a Amizade, o Amor – um Amor que, pelo próximo, é grande!... Os mendigos – Morrudo e Inácio – eram tratados como “gente da família”. Outro aspecto interessante que esta pesquisa revela é que tal atitude de Amor se ampliou: são várias as instituições que prestam serviços filantrópicos no Município. Cuidam dos velhos, das crianças, dos deficientes e dos desamparados; é um segmento da Sociedade que pulsa completamente dissociado do Poder público, que perde a oportunidade de caminhar com a Sociedade. As pessoas tinham uma relação lúdica entre elas. Em alguns depoimentos isto está claro. Os laços de Amizade, de Respeito e de Amor, eram virtudes que permeavam as relações. Na leitura dos textos fica a impressão de que alguns moradores ficavam um bom tempo imaginando, como criar estripulias para aplicar nos vizinhos, nos colegas de trabalho. E o que é importante frisar: as brincadeiras não agrediam a dignidade dos envolvidos (...bem diferentes das realizadas nos programas de auditório de tv, sem categoria alguma)! Com este Livro, resgatamos o Humor, a Solidariedade e a Fraternidade. Nós, tão estrangeiros quando chegamos aqui, somos agora parte integrante destas histórias e da vida real de Cotia.
   A criação de uma Cidade melhor está em nossas mãos.

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