Em meados da década de 70, chegado do interior de São Paulo, fui morar no Parque São Jorge, no km 18 da Raposo Tavares. Toda nossa vida social e econômica estava voltada para o Bairro de Pinheiros, mais exatamente na famosa Rua Teodoro Sampaio, um shopping a céu aberto. Eu sabia também, que a estrada que ia para casa passava por Cotia, mas não conhecia a cidade. Melhor dizendo, conhecia sim, através dos relatos de amigos de trabalho e dos letreiros dos ônibus meio arredondados da Mercedes Benz, que faziam a linha “Pinheiros-Cotia”. Como tudo tem uma primeira vez, fui convidado por um amigo de trabalho para conhecer a cidade, em 1976. A viajem pareceu tão longa do km 18 ao centro de Cotia! Mas a rodovia de mão dupla tinha alguns detalhes interessantes no seu trajeto: quiosques cheios de gente fazendo piquenique, dos dois lados da estrada havia muito mato, árvores, e apenas alguns trechos tinham casas – porém poucas. Chegando ao centro, vi que várias casas de taipa de pilão ainda serviam de moradia, e que o comércio da cidade era ínfimo. Dessa primeira visita me ficou uma sensação bucólica do lugar.
No início dos anos 80, já morador da cidade, fiz várias entrevistas sobre a vida cotidiana dos moradores antigos e uma senhora, a D. Irene Lemos Leite Silva, chamou minha atenção, pois reclamava sentir saudade de quando todo mundo se conhecia. Dizia-me ela: “Antes a gente pegava o ônibus e conhecia as pessoas, de todas as famílias, e agora a gente não conhece quase ninguém. Muita gente diferente.” A D. Irene Lemos Leite Silva tinha razão em relação às suas observações, pois a cidade, no eixo da Rodovia Raposo Tavares, iniciara nas décadas de 50 e 60 um processo de desenvolvimento industrial tímido, que se acelerou muito nas décadas seguintes, com a implantação de indústrias químicas e mecânicas no início, e de indústrias de tecnologia de ponta nos dias atuais. Com o processo de industrialização veio a urbanização descontrolada. Cotia mudou muito! Mas como ela era no começo?
Voltando alguns séculos na História da cidade, o segundo núcleo de moradores foi criado em 1713, nas terras do fazendeiro Estevão Lopes de Camargo. A Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat é datada dessa época, e atualmente, se você passar distraído pelo centro nem a percebe, ainda mais se não for morador. Mas, e o shopping? O Shopping da Granja Vianna está nesse mesmo contexto de desenvolvimento da cidade: ele se localiza em Cotia e foi inaugurado depois de 297 anos da formação do segundo núcleo de Acutia.
Continuando, o primeiro núcleo de moradores foi formado por índios, mamelucos e escravos, com a construção da capela próxima ao Caiapiá e ao Rio Cotia, e que permaneceu ali entre 1640 e 1670. A fundação desse povoado foi atribuída a Fernão Dias Paes e a Gaspar de Godói Moreira.
O que acho interessante, também, é que na década de 80, onde hoje está a entrada do novo shopping, ficava a casa da minha amiga Graça, que estudava comigo na Escola Vinícius de Moraes. Quem de nós imaginava então que ali seria construído um shopping center tão maravilhoso, bem em cima da antiga casa da Graça? Será que os bandeirantes e moradores daquela época imaginavam tamanho progresso? Creio que, se para nós já era difícil visualizar o futuro da região, para eles seria praticamente impossível.
A Rodovia Raposo Tavares, sempre esplendorosa e cheia de tropeiros rumo ao sul, agora ostenta marcas famosas de fast food, de empresas comerciais dos mais variados ramos e um shopping... só para lembrar, o que foi feito das nascentes que existiam no terreno?
Esta mesma rodovia, que já teve seus dias de crise com a chegada da Estrada de Ferro Sorocabana em 1875, o que tirou um pouco da sua importância, retomou seu desenvolvimento no século passado, e aqui estamos.
Que rumo tomará o desenvolvimento de Cotia daqui para frente? Já somos 201.023 habitantes, de acordo com o censo deste ano! Espero que o shopping seja um empreendimento que tenha chegado para também colaborar na construção de um futuro melhor para a cidade. E que nesse futuro ela não seja mais dividida como é hoje, em terrenos de alto padrão e condomínios luxuosos de um lado, e de outro bairros periféricos humildes, distantes da formosa estrada e dos benefícios do progresso.
Professor Marcos Roberto Bueno Martinez
Consulta Bibliográfica:
Balzan, Daniel Pe. – “Os Protetores da Freguesia de Cotia”. In: Jornal Popular. Cotia, 13/02/99. ed. 159, p. 7.
Savioli, Luiz Mário – A Cidade e a Estrada (As Transformações Urbanas do Município de Cotia ao longo da Rodovia Raposo Tavares) Ed. Edicon.
Martinez, Marcos Roberto Bueno – Memória & Imagem (A história social, rural e urbana de Cotia, contada pelos moradores mais velhos) Ed. Edicon.